#6 - eu esqueci você quando ela te esqueceu
eu não entendia como depois de um certo tempo que ainda era enganada pelo meu cérebro e no lugar de imaginar paisagens bonitas que gostaria de viajar antes de dormir, vez ou outra pensava em você.
não com saudade, não com aperto no peito, mas ainda assim pensava. é impressionante como mesmo lendo tanto sobre como a mente funciona ainda assim ela tem êxito em nos surpreender.
não fazia sentido nenhum eu continuar pensando em você: eu que tinha dito, aquele dia no carro, que não queria mais sua presença na minha vida. eu que, pra não soar mal educada ou infantil, doei algumas coisas que você me deu (a roupa de cama eu ainda guardo pois sempre amei esse tom de verde). eu nem nutria mais sentimentos por você: quando pensava na remota possibilidade de te encontrar - fosse pela proximidade de nossas casas, fosse por conhecidos em comum, nos lugares comuns - eu já sentia um incômodo.
daqueles que a gente sente quando alguém fez mal pra alguém que a gente ama está na mesma festa. você não vai ser grosseira mas vai evitar a todo custo trocar palavras.
não existia também a menor possibilidade de contato já que seu perfil é fechado e eu apaguei seus números. não tinha ponte que nos ligava e eu não entendia como mesmo assim, sua lembrança me assombrava principalmente nas noites mais tranquilas onde o sono era o mais regenerador.
e foi ali, passando o feed que surgiu um vídeo e desse vídeo eu passei pelos comentários e dos comentários eu vi a foto dela.
aquela que você - mesmo sem dizer - amou tanto, mas que não conseguia ser feliz - porque você mesmo não era feliz. aquela que você não entendeu o motivo de decidir nunca mais falar com você - mais uma entre as tantas outras, anteriores e posteriores - mesmo tendo sido você quem findou 5 anos de parceria. aquela que eu nunca consegui olhar com inveja ou com insegurança: eu a olhava com curiosidade.
percebi que era um comentário carinhoso, daqueles que só acontecem quando duas pessoas já têm sua intimidade alinhada e as piadinhas internas se fazem presentes. era bonito, era afetuoso, era libertador.
não pra ela, mas pra mim. meu coração acelerou numa felicidade sem tamanho em perceber que ali havia um amor - que ao menos pela tela parece ser - sereno.
e foi aí que você apareceu na minha mente de novo, dessa vez se dissolvendo. alguma coisa em mim se libertou de você quando eu percebi que uma hora a gente esquece.
a gente sempre esquece. em algum momento nem a lembrança de sua existência se fará presente pra me atormentar (e aqui devo dizer que felizmente nem lembro mais da sua fisionomia ou da sua voz).
há beleza em certos apagamentos.
minha mente se acalmou e meu espírito entrou em paz: o único fantasma que habitava meu quarto agora era o do esquecimento, dando de mão beijada um espaço livre para novas memórias.
sempre penso em tantas coisas que eu realmente esqueci com o passar dos anos, inclusive até de pessoas que eu conheci. sempre fui muito boa nisso ao ponto de algumas delas se ofenderem.
foi o esquecimento que ela teve de você que me abriu as portas para que as pegadas sujas que você deixou - e alguns chamam de memória, ou trauma - fossem limpas.
o nome dela começa com mar e o meu termina com ela.